Archive for Agosto 2011
Uma gordura cancerígena
Após o 11 de Setembro, o orçamento de espionagem dos EUA foi multiplicado por 20 e o número de espiões excedeu o da Guerra Fria, com novos meios de vigilância e licença para torturar.
Em Portugal, o SIS e o SIED têm agora tantos funcionários como a PIDE de 1945 (que incluía as funções do SEF). Sócrates mentiu ao parlamento sobre os voos da CIA e as circunstâncias da expulsão do alqaedista Sofiane Laib indiciam uma entrega às “prisões secretas”. E só este Verão a opinião pública já aprendeu que um quadro menor do SIS era cúmplice do IRA, que o SIS elabora dossiês comprometedores sobre cidadãos inocentes e que o líder do SIED vigiou um jornalista e traficou informação para a empresa para a qual se transferiu.
Os serviços “de informações”, imprescindíveis às ditaduras, são nocivos às democracias.
A pretexto de um terrorismo islâmico hoje exangue, crêem-se impunes porque gozam da protecção de leis que alegadamente criminalizam a denúncia dos crimes do Estado, de uma fiscalização incompetente ou conivente e de um Passos Coelho que nem ao parlamento revela resultados de inquéritos. São uma gordura cancerígena no corpo do Estado de direito democrático. As suas tarefas poderiam ser entregues à PJ (criminalidade organizada) e a académicos (investigação sobre extremismos).
Após o 11 de Setembro fomos todos americanos. Dez anos depois somos todos Nunos Simas.
A separação final
Joseph Ratzinger chefia uma Igreja que é um Estado. Em visita a Espanha ou Portugal, explora oportunamente essa duplicidade: enquanto último monarca absoluto da Europa, é recebido pelas autoridades estatais; enquanto líder religioso, opina sobre política interna (da contracepção ao suicídio assistido e ao casamento civil) – o que jamais seria tolerado a outro chefe de Estado estrangeiro.
Respeito inteiramente o direito de Ratzinger de se dirigir àqueles que o reconhecem como Papa, ou valorizam as suas orientações. Mas noto que só quando a Santa Sé deixar de ser reconhecida como Estado se resolverá a questão da separação entre política e religião nos países que foram católicos. Ao contrário do Irão, da Arábia Saudita ou da Coreia do Norte (onde num dia desejavelmente próximo as burocracias dogmáticas locais, clericais ou estalinistas, serão derrubadas pelos respectivos povos), o Vaticano moderno, que deve a sua definição territorial a Mussolini, não tem povo próprio. O último estado da Europa sem separação de poderes, e o único do mundo sem maternidade, intervém na Assembleia Geral da ONU como tal, embora represente sempre uma religião e não um povo.
A laicidade só será plena nos países latinos quando a ICAR for apenas uma instituição da sociedade civil. Como o são as outras comunidades religiosas em Portugal, sem que isso todavia diminua a sua liberdade.
Publicado no i de 24 de Agosto de 2011.
A guerra de classes segundo Warren Buffett
Até aqui, tudo bem
Assim está a Europa, neste Verão frio de 2011: a bancarrota ameaça alguns países “periféricos”, os países “centrais” não sabem o que fazer, os juros disparam, as dívidas agigantam-se, as taxas de desemprego batem recordes, as agências de notação dão mais uns empurrões para baixo, ninguém prevê o que se seguirá, mas todos parecem repetir o “até aqui, tudo bem”. Na imponderabilidade da queda, não tememos nenhum mal: o ar está límpido e cair, só por si, não magoa.
Merkel, Sarkozy, Obama, Trichet, Barroso e Coelho telefonam-se mas não sabem como parar a queda. Ou não querem. Até agora, nenhum perdeu o posto. Para eles também é “até aqui, tudo bem”.
Entretanto, até a pacata Londres está a arder. Como Paris em 2005. O lumpen que saqueia lojas e o financeiro que aumenta o caos financeiro com o clique de um rato partilham a mesma indiferença pelo amanhã: nenhum se preocupa com as consequências. Mas em Londres a queda terminou. Por enquanto.
No filme de Kassovitz, justamente sobre jovens frustrados dos subúrbios de uma metrópole europeia, a lição era mesmo essa: só se conhece as consequências da queda quando se chega ao chão. Em que andar vamos?